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Eu sou Capitu


Começo este texto explicando que sou Capitu... Mas não em todos os momentos eu sou Capitu, tem horas que sou Bentinho. E posso afirmar que na maioria delas sou Bentinho. Seja pela ingenuidade, pela insanidade, e principalmente pelo ciúme obsessivo. Ele sempre está lá, mas o guardo de vez em quando. Você deve estar pensando: é impossível, ser os dois personagens tão distintos em um só. Como pode ser Bentinho e ao mesmo tempo ter a grandeza de Capitu? Ou ser Capitu e ao mesmo tempo ser bentinho? Pois bem, convenhamos que se fosse contada por Capitu a historia poderia ser totalmente diferente, as pessoas não são de um único jeito o tempo todo, a menos que ela conte sua própria historia, com uma única visão de si. Estou defendendo a vertente de que podemos tirar várias conclusões tendo apenas a versão de Bentinho.

Mas voltando ao inicio, eu sou Capitu por ser mulher, e mulheres tem suas peculiaridades, seus olhares, e diversos personagens em si, nunca deixando de ser a personagem principal. Capitu representa a figura da mulher que é singular. Talvez ela também tivesse suas incertezas, suas inseguranças, mas isso não transcendia sua aura de ousadia e seus olhares de ressaca. Capitu simboliza a mulher inteligente, e mesmo que essa inteligência se voltasse para um caminho não muito feliz, ela continuava a ser uma pessoa inteligente. Não pense que eu estou me comparando a ela. Pense, ao invés disso nas mulheres e no que elas estão representando para a sociedade atual. Pense na força que elas ganharam ao longo dos anos. Se não tivessem mulheres com a ousadia de Capitu no passado, onde estaríamos nós agora? Pense no destaque merecido que elas têm. Elas são fortes, dissimuladas, oblíquas.

Capitu era sonhadora, e principalmente, uma mulher que quebra tabus de sua época e é exatamente disso que estamos falando, uma mulher que enfrenta, não com frieza, mas com total comando os fatos. Seus cálculos e sua sedução não a fazem ser uma mulher vagabunda, e sim uma mulher a mais no mundo. Suas opiniões eram enfáticas e suas malícias friamente calculadas. Ela não era a mulher que ia lavar roupas e servir o marido. E talvez ela nem fosse tão bonita assim, mas vale ressaltar que era uma mulher aos olhos de um apaixonado. E por ser assim, não acredito que ela tenha traído. Olhando por uma perspectiva diferente da do narrador, que é ciumento e se sente inferior a grandeza de sua companheira "Capitu era mais mulher do que eu era homem..." – ele disse. Sinto dizer, mas os apaixonados geralmente agem dessa maneira.

Não estou dizendo que Capitu não estivesse apaixonada, mas tendo como análise apenas uma das versões, podemos dizer que essa opinião pode ser decorrente dessa constante inferioridade com que Bentinho tratava o assunto, ou seja, ele achava sempre que Capitu não se importava o bastante ou não sentia um amor tão grande quanto o dele. Isso também acontece com os apaixonados. Porém os que amam não tem essa dúvida, e com tantos anos de casamento podemos perceber que o relacionamento dos dois não é capaz de evoluir tendo sempre as mesmas desconfianças e as mesmas brigas. Isso cansava Capitu e Bentinho também.

Mas é compreensível, ter relacionamentos é complicado demais, sentir ciúmes é doentio, chega a ser ridículo. A mente de uma pessoa ciumenta vê coisas onde não tem, inventa histórias que nunca aconteceram, e jura que viu cenas que jamais foram vividas. Relacionamentos e convivências são duas coisas delicadas demais para se falar. Me ponho no lugar de Bentinho as vezes, principalmente quando sinto ciúmes. E por eu ter plena certeza do que uma mente desconfiada é capaz de imaginar e fazer acredito que ela não tenha traído.

Por me sentir às vezes Capitu, e às vezes Bentinho, não acredito que ela fosse capaz.. Talvez nem o próprio Machado de Assis saiba nos dar essa resposta assim como Deus não pode nos dizer o que acontece com nossos parceiros quando não estamos vendo. Portanto nunca saberemos, mas por confiar em uma pessoa como Capitu, e por outro lado por ser uma parte de Capitu, eu não diria que ela traiu. É estranho confiar em um personagem, mas confio em Capitu, assim como confio em meu namorado e não consigo acreditar que um dia ele vá me trair por mais doentio que seja meu ciúme e acredito que Bentinho também deveria pensar dessa forma.

O ciúmes nos leva a pensar nos menores atos do dia a dia. E cansada disso tudo ela foge para a Europa com seu filho que a pessoa que ela acreditava amar não assume. Ela manda cartas e depois disso a narração se torna mais melancólica e estranha confirmando mais uma vez que ela era uma pessoa comum como qualquer outra. E que ele amava de um jeito estranho, mas continuava amando.


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