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Uma flor com pétalas de pessimismo


Quando eu era pequena tinha medo do escuro – às vezes tenho recaídas – mas não sei exatamente do que eu tinha medo. Um dia pensei então porque eu não tinha medo do claro, se era o mesmo quarto em que eu dormia de noite, com os mesmos móveis, o mesmo espelho, a mesma boneca na estante que ficava comigo de dia. Por culpa do meu pessimismo extraordinário comecei então a ter medo do dia também ao invés de ter medo apenas da noite. Pensou que eu fosse ser uma daquelas que dorme tranquila, né? Que não olha em baixo da cama antes de dormir...

A gente acredita nas coisas que não podem dar certo bem mais do que nas que podem. Mas, sabe de uma coisa, esse pessimismo realista me comove mais que um amor romanesco. Não sei se isso acontece com você, mas acabo me identificando com alguns escritores, trombando com eles nas vezes em que lemos a mais pura verdade... por mais que queiramos nos identificar com os bons cidadãos, com os corretos, positivos é dos pessimistas que gostamos. Daquela vida desgraçada que lemos e do realismo que nos transcende. Tomamos doses diárias de pessimismo pra engolir uma pílula de realidade o tempo todo.

E esse texto não podia ter um final melhor sem que eu dissesse que toda vez que sento para ler alguém liga a furadeira no vizinho e eu xingo. Talvez se eu não xingasse não teria problemas com a sindica... ou talvez eu não ligasse tanto se eu não pensasse “quer apostar quanto quando eu sentar pra ler o veado do vizinho vai ligar a furadeira?”

E a gente vai assim, reclamando que sempre bato o dedinho do pé na quina da mesa, que o sol está quente demais, que faz muito frio no inverno. Da mochila pesada, do ônibus lotado. Quando não esta lotado reclamo por que faz barulho, e quando não faz barulho geralmente reclamo do mal humor do cobrador.

Esse pessimismo nos torna o caos, que gira o mundo. E geralmente, as soluções das brigas que a gente escolhe entrar. Aprendi isso com as noites que eu tive que passar sozinha pra entender que eu podia estar reclamando e tendo medo de uma coisa bem mais construtiva. Isso nos faz dar certo. O modo como resolvemos as coisas que estão pendentes, e ignoramos outras menos importantes. O pessimismo nos mostra o quanto ainda temos que nos mexer quando dizemos que não vai dar certo.


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